1- Apresentação



Funmilayo Ransome-Kuti angustiava-se com o que via nos olhos de seu quarto filho: insolência, teimosia, imprudência desmedida, arrogância, lascívia. E, quando o menino tinha 7 anos, na calada da noite foi consultar um babalaô. O oráculo do Ifá revelou: "A criança será teimosa, impetuosa, incontrolável... Seu caminho, repleto de armadilhas, tumulto e violência. Suas esposas, numerosas. Ele viverá na pobreza, ao lado de pedintes e ladrões. Seus amigos serão exilados e ele será rotulado de fora-da-lei. Pois ele escarnecerá das leis, contrariará os tabus dos homens e o Deus dos Oyinbo (os brancos)... E morrerá pela mão destes".  Dilacerada, Funmilayo brada: "Ó Senhor, por que fomos tão amaldiçoados?

 "A "maldição" havia nascido duas vezes. Na primeira, em 1935, foi batizado com um nome de branco. Para agradar aos pastores protestantes, seu pai o chamou Hildegart. Inconformado em receber o nome do conquistador, o recém-nascido abandona seu corpo para voltar três anos depois e, aí sim, permanecer entre nós com o nome com o qual o mundo o conheceria: Fela (aquele que emana grandeza). Fela Kuti 


Um nome é o que Fela nos ensina desde o primeiro momento: uma questão de vida e de morte. Um nome carrega o destino, aponta a direção. Diz o que se quer e o que se fará no período das nossas curtas existências. Nosso grupo de pesquisa se chama Ilè Òbá Òyó. Na língua Yorubá, que era também a língua de Fela, este nome significa A Casa do Rei de Òyó, que é Xangô, Orixá associado à justiça. Em nossa casa no ProPEd – Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ – nos reunimos semanalmente para tentar compreender o racismo, as aprendizagens das crianças do Candomblé nos cotidianos dos terreiros e a discriminação religiosa na escola. Como a África, em toda a sua pluralidade, tão duramente invisibilizada ao longo da história, se faz presente nas mais variadas redes educativas que nos formam? Essa é uma das nossas questões. Dedicamo-nos a conhecer novas bibliografias, novas referências para nossas pesquisas, dentro e fora do espaço acadêmico.


Um filho da África, inventivo e militante. Fela Anikulapo-Kuti criador do Afrobeat nos anos 70, é uma inspiração para quem luta contra o racismo e deseja compreender a presença da África no mundo e na formação do Brasil. Sua música, expressão de sua vida de resistência e de lutas, sintetiza, nas palavras de Sueli Carneiro ao apresentar a biografia autorizada de Fela escrita por Carlos Moore, a experiência histórica dos africanos e afrodescendentes espalhados pelo mundo pela brutal escravização e colonização. A música de Fela é uma denúncia das consequências dessa experiência no presente.

Do encontro das buscas do nosso grupo de pesquisa com Fela, emerge um forte desejo de novos diálogos que ganhou, gradualmente, o formato do evento que apresentamos aqui. Fela estará presente em todo o Seminário, nos diálogos e nas diferentes atividades, por meio da inspiração em sua vida de militância e em sua música que, segundo alguns críticos, impõe respeito às lutas que ele abraçou e personificou pela justiça.
Fela é a África que incomoda a todos aqueles que a querem domesticada e submissa aos interesses das classes dominantes. Conhecer e refletir sobre este artista criativo, contraditório e indomável é um passo essencial para que conheçamos um pouco mais deste continente rico e complexo. Conhecer a África faz parte da necessidade inadiável de procurarmos conhecer a nós mesmos.

A música de Fela nos convoca a movimentar o corpo e a mente. Ela imprime o ritmo de ideias e de práticas de ousadia e de transformação. Fela, seu Afrobeat e o Alujá, que é um toque e uma dança consagrada ao Orixá Xangô, embalam nosso desejo de aprender e de contribuir para novos encontros e para mudanças. Com essa inspiração, convidamos todos e todas para dialogar conosco e com nossos convidados no I Seminário Fela Kuti da UERJ: a educação, os movimentos sociais e a África que incomoda, nos dias 13, 14, 16 e 17 de outubro de 2014.